O Tribunal do Trabalho da 3ª Região de Minas Gerais determinou que um médico de Montes Claros faça o pagamento de indenização por danos morais no total de R$ 40 mil à família de uma empregada doméstica que morreu por Covid-19 após contaminação na casa dele. Laura Aparecida Soares de Souza faleceu em 2021, aos 32 anos.
Os magistrados reconheceram a ocorrência de doença ocupacional equiparada à acidente de trabalho. O médico também terá que pagar pensão mensal aos três filhos menores.
Os magistrados reconheceram a ocorrência de doença ocupacional equiparada à acidente de trabalho. O médico também terá que pagar pensão mensal aos três filhos menores.
A ação foi ajuizada, inicialmente, pela própria trabalhadora, mas os pedidos foram julgados improcedentes na decisão de 1º grau. Após o falecimento da mulher, o juíz julgou procedente a habilitação, e declarou como partes legítimas da ação o viúvo e os três filhos menores da empregada. Depois disso, o processo seguiu em recurso movido pela família da vítima.
Conforme o TRT-MG, a trabalhadora foi admitida para exercer a função de empregada doméstica em 13 de setembro de 2018 e desenvolvia as atividades das 8h às 17h, de segunda a sábado. A família explicou que no dia 20 de abril de 2021, a profissional recebeu uma mensagem via WhatsApp da esposa do empregador dando ordens para limpar o quarto de hóspedes. “Ele estava com suspeitas de Covid-19 e ela ficaria naquele quarto”, disse na mensagem.
No dia seguinte, o casal fez o exame e testou positivo. Apesar disso, a família informou que o empregador não afastou a profissional das atividades e pediu que ela continuasse trabalhando normalmente. “Por ser médico, receitou vários medicamentos, sob alegação de que poderia evitar a infecção”, conforme receita anexada ao processo.
“Mesmo insegura e com muito medo, a empregada doméstica continuou trabalhando, tendo contato direto e constante com o casal, correndo grande risco de ser infectada”, argumentou a família da vítima no processo trabalhista, em nota divulgada pelo TRT-MG. Segundo os familiares, no dia 23 de abril, ela enviou mensagem para a esposa do patrão, dizendo “que não trabalharia no dia seguinte, pois estava com muito medo e não estava bem, sentindo forte dor de cabeça”.
A família explicou ao Tribunal que a empregadora não concordou com a falta ao trabalho, exigindo um atestado médico. No dia 28 de abril, a trabalhadora realizou então o teste, que deu positivo, conforme documento anexado ao processo. No dia 20 de maio, a ex-empregada faleceu, vítima de Covid-19.
“Ele é considerado profissional atuante na linha de frente, ou seja, apresenta exposição a risco habitual ao vírus, no qual mantinha contato direto e constante com a falecida”, discorreu a nota do TRT-MG.
Em defesa, segundo o tribunal, o patrão contestou a alegação dos familiares. Disse que, por trabalharem em hospital, são criteriosos e conscientes quanto à necessidade de adoção de procedimentos preventivos para evitar o contágio.
“Por essa razão, desde a identificação do estado de calamidade pública de saúde, ocorrido no ano de 2020, orientaram os prestadores de serviços e empregados a usarem máscara no âmbito da residência. Disponibilizam, ainda, álcool líquido e em gel para higienização das mãos de todos, indistintamente, que adentram a residência. E restringiram o contato com amigos e parentes que costumavam frequentar a casa e também o convívio social”.
Ao examinar o caso, o desembargador relator, Marcos Penido de Oliveira, reconheceu que a contaminação pela Covid-19 ocorreu no ambiente de trabalho, de modo que ficou provado o nexo de causalidade. “Veja-se que o próprio réu admite em defesa que ele e a esposa são profissionais da área de saúde e trabalham em área de saúde, o que denota elevado risco de contágio pelo vírus, o que, de fato, se confirmou nos autos. Portanto, reputo configurado o nexo de causalidade entre a doença e o trabalho desenvolvido em favor do réu, restando caracterizada a doença ocupacional”.
Para o julgador, a presença do risco, que teve como consequência o óbito da trabalhadora, foi constatado. “A legislação adotou o entendimento de que, quando a atividade exercida pelo empregado implica um grau de risco acentuado, a reparação civil demanda aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, na esteira do que dispõe o art. 927, parágrafo único, do Código Civil”, ressaltou o julgador.
No caso, o magistrado entendeu incabível a responsabilidade objetiva, pois a trabalhadora não se sujeitava à atividade considerada de risco por vontade própria. “Em regra, a responsabilidade do empregador é subjetiva, dependendo da culpa, salvo quando a atividade normalmente desenvolvida pelo empregador implicar, por natureza, riscos para os direitos de outrem”.
Para o julgador, não há nos autos prova de que os empregados tenham sido realmente orientados acerca do distanciamento social. “Nesse contexto, uma testemunha declarou que deixou de ter contato pessoal com os réus após eles terem testado positivo para Covid-19”.
Segundo o magistrado, o comprovante de acesso da empregada à residência demonstra a frequência integral nos dias que antecederam a comunicação da suspeita da doença do empregador. “Desse modo, pode-se concluir que a empregada manteve contato com os empregadores desde o início da doença, estando amplamente exposta ao risco de contágio, sendo certo que o isolamento dos infectados só ocorreu após o resultado positivo ter sido confirmado por exame laboratorial”.
O desembargador compreendeu que, em observância às normas de proteção e segurança do trabalho, cabe ao empregador a demonstração de que não incorreu em culpa para a ocorrência do infortúnio e do consequente dano. “Desse modo, a culpa do réu no processo é inescapável e reside precisamente na negligência, artigo 186 do Código Civil, em propiciar ao empregado condições adequadas e seguras de prestar seus serviços, devendo ser responsabilizado pelo pagamento de indenização por danos morais decorrentes”.
Para o julgador, no caso dos autos, a extensão do dano é inegável, pois a doença ocupacional culminou na morte da trabalhadora. “Isso causa dor e abalo psicológico à família, no caso, ao viúvo e aos filhos”.
O g1 entrou em contato com a defesa do médico, que informou ter recorrido da decisão e que aguarda o resultado da tramitação do pedido de recurso.