A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça-feira, 18, que o ministro da Justiça, André Mendonça, forneça imediatamente a cada um dos magistrados do STF uma cópia do dossiê elaborado contra 579 servidores federais e estaduais identificados como antifascistas. A elaboração do relatório pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) será discutida pelo plenário do STF na tarde desta quarta-feira, 19.
Conforme antecipou o Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, o gabinete de Cármen recebeu na última segunda-feira, 17, uma cópia do material das mãos do chefe de gabinete de Mendonça, mesmo sem uma determinação do Supremo para que o material lhe fosse encaminhado. A ministra determinou que o dossiê seja mantido sob sigilo.
Cármen se reúne nesta terça, 18, às 18h30, com Mendonça e o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Levi, por videoconferência. Antes, a ministra também vai conversar, às 18h, com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o ex-secretário nacional de direitos humanos Paulo Sérgio Pinheiro, o cientista político Luiz Eduardo Soares e delegado Orlando Zaccone. Os três últimos foram mencionados no dossiê, revelado pelo site UOL.
O documento em questão é o dossiê elaborado contra 579 servidores federais e estaduais identificados como antifascistas.
Em outra sinalização ao Supremo, Mendonça, também decidiu criar um grupo de trabalho que será responsável pela elaboração de uma política nacional e estratégia nacional de inteligência de segurança pública. No texto, que deverá ser publicado nesta terça-feira no Diário Oficial da União (AGU), Mendonça aponta a necessidade de “definir marcos normativos, estratégicos e finalísticos, à luz do Estado democrático de direito, às atividades de inteligência desenvolvida no âmbito da Segurança Pública”. O grupo de trabalho terá um prazo de 60 dias para conclusão das atividades.
O grupo deverá ser composto por dois representantes do Ministério da Justiça, um da Polícia Federal, um da Polícia Rodoviária Federal, um do Departamento Penitenciário Nacional e cinco integrantes de secretarias estaduais de segurança pública. A portaria de Mendonça também abre espaço para que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indiquem um representante.
De acordo com o Ministério da Justiça, com a portaria, Mendonça “reitera seu compromisso com o aperfeiçoamento contínuo da atividade de inteligência como instrumento de proteção e defesa da sociedade e do Estado”.
Diálogo
Conforme revelou o Estadão, Mendonça passou os últimos dias em contato com os integrantes da Corte para dar a sua versão dos fatos. Segundo relatos, nas conversas reservadas, por telefone, o ministro da Justiça se colocou à disposição para esclarecer os fatos à Corte e se comprometeu a apurar internamente se houve irregularidades na atuação da pasta. Além de abrir uma sindicância, Mendonça demitiu o diretor de inteligência da Seopi, coronel Gilson Libório de Oliveira Mendes.
Na ação que vai ser analisada pelo STF, o partido Rede Sustentabilidade pede ao Supremo a abertura imediata de inquérito para investigar o caso e verificar eventual crime cometido por parte de Mendonça e seus subordinados. O partido também quer que a pasta informe o conteúdo de inteligência produzido em 2019 e 2020 e se abstenha de produzir relatórios sobre integrantes do movimento antifascismo.
Relatora da ação, Cármen Lúcia apontou “gravidade” no caso e cobrou explicações de Mendonça. Em resposta ao STF, o Ministério da Justiça informou inicialmente que “não seria menos catastrófico” abrir ao Poder Judiciário o acesso a dados da Seopi, responsável pela produção do dossiê.
Para o advogado criminalista Marcelo Bessa, o uso indevido da máquina estatal com o objetivo de perseguir ou discriminar pessoas por razões políticas configura, no mínimo, gravíssimo ato de improbidade administrativa. “Acredito que o STF determinará que qualquer conduta que configure perseguição política deve ser coibida por sua incompatibilidade com os valores democráticos, mandando cessar imediatamente a produção desses dossiês. Seria também uma consequência natural determinar à Polícia Federal investigar os fatos para se verificar se houve crime e os seus autores. Com relação ao crime de responsabilidade, a sua apuração e a eventual instauração do processo de impedimento são da competência exclusiva do Poder Legislativo”, afirmou Bessa.
Tom
Ministério da Justiça chegou a pedir “parcimônia” e “sensibilidade” do STF, para que deixasse o Congresso Nacional fazer a análise sobre o tema, evitando “invadir esfera de competência do Poder Legislativo”.
O tom usado na resposta foi criticado reservadamente por integrantes do STF, que viram nas declarações uma recusa a prestar as devidas explicações sobre o caso – e até uma ameaça de não entregar o dossiê para o tribunal, se fosse necessário. Na última quarta-feira, 12, Mendonça calibrou o discurso e, em uma segunda manifestação endereçada ao Supremo, disse que cumpriria “de imediato” uma eventual determinação para apresentar o documento.