O paradeiro de arquivos de mídia anexados a uma delação premiada virou o principal entrave para o depoimento do deputado e ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG) em inquérito que apura suspeitas de superfaturamento na construção da Cidade Administrativa, sede do governo mineiro.
Embora haja um documento segundo o qual esses arquivos foram juntados ao processo, a Polícia Federal, o Ministério Público de Minas Gerais e a Justiça do estado afirmam que eles não constam no inquérito.
As mídias em questão são referentes à delação de Marcelo Dias, da Santa Bárbara Engenharia, empreiteira que participou da obra.
A ausência dessas mídias na vara de inquéritos de Belo Horizonte, onde tramita a apuração, foi um dos motivos para a defesa do tucano, liderada pelo advogado Alberto Zacharias Toron, acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) para ter acesso a toda a documentação referente às investigações.
Ministério Público de Minas Gerais e a Justiça do estado afirmam que documentos do processo não constam no inquérito
Toron também diz que estão faltando documentos relativos à delação de José Ricardo Breghirolli, apontado como chefe do departamento de propina da OAS.
Em maio, Aécio foi indiciado pela Polícia Federal sob suspeita de corrupção passiva e ativa, desvio de recursos públicos e falsidade ideológica. O Ministério Público, no entanto, ainda não apresentou uma eventual denúncia sobre o caso.
A própria defesa, então, pediu para que Aécio fosse ouvido no inquérito. Ao mesmo tempo, tentou ter acesso à íntegra das delações que citavam o tucano.
Só que os advogados não conseguiram localizar os documentos citados nas colaborações de Santa Bárbara e OAS e pediram ao Supremo a suspensão do depoimento, que aconteceria em 12 de agosto.
Dois dias antes, o ministro Alexandre de Moraes acolheu o pedido e também determinou que a defesa tivesse acesso integral “às declarações prestadas pelos colaboradores que incriminam [Aécio]”.
A decisão motivou queixas de PF, MP-MG e Justiça, sob o argumento de que os advogados já tiveram acesso aos autos e estariam tentando atrasar o processo.
“Primeiramente foi marcada a oitiva entre os dias 15 e 19 de junho de 2020. Entretanto, em contato direto com esta autoridade policial, foram pedidos sucessivos adiamentos para 28.jul, 6.ago e 12.ago”, afirmou, em ofício, o delegado da PF Leopoldo Lacerda.
Segundo o delegado, os documentos que os advogados afirmam não ter acesso “não existem nos citados autos”.
A juíza que conduz o inquérito, Sabrina Ladeira, reforçou. “Os advogados tiveram acesso amplo a todo conteúdo”, afirmou a magistrada. “Eventual não acesso (…) a mídia e documentos específicos decorre, na realidade, dada inexistência deles nos autos das colaborações indicadas e na Secretaria do Juízo.”
O procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Antônio Sérgio Tonet, pediu a Alexandre de Moraes que arquive o pedido dos advogados. “Foi assegurada à defesa técnica vista de todo o material juntado aos autos da investigação preliminar”, disse Ton et, em manifestação a Moraes.
“Ocorre, portanto, uso de expediente com o propósito de atrasar o encerramento da apuração, ao passo que o reclamante insiste na obtenção de documentos que não estão em poder da autoridade policial ou sequer existem.”
A defesa rebateu e afirmou que há uma certidão nos autos de prova que as mídias foram anexadas ao processo. “Há, insista-se, certidão de juntada da documentação!!”, escreveu a defesa ao ministro.
“Dizer que os documentos não existem e que o pleito da defesa é procrastinatório é negar a realidade e questionar a veracidade de certidão que detém fé pública. Ou seria falsa a certidão?”, acrescentou, pedindo que seja informado o paradeiro dos documentos.
À reportagem Toron diz que “ou a certidão é falsa ou eles, na cara dura, estão escondendo as mídias e criando um clima de animosidade com a defesa”. “Fomos nós que pedimos para sermos ouvidos nesse processo”, diz o advogado.
Procurada, a juíza Sabrina Ladeira afirma que a defesa tem citado como certidão um documento com o timbre do STF “apontado para uma mídia, que se existe, não foi recebida em Belo Horizonte”.
“Esta etiqueta não é uma certidão e não contém a assinatura de ninguém. Essa possível mídia, novamente, se existe, pode ter dado origem às transcrições já presentes no inquérito, mas não foram enviadas juntamente com todo material recebido”, afirma a magistrada.
O documento apresentado por Toron ao STF, no entanto, é uma certidão e está assinada por um funcionário.
Também procurado, o coordenador do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público de Minas Gerais, promotor Fabrício Fonseca Pinto, afirma que a defesa teve acesso a todas as provas juntadas ao inquérito policial.
“A certidão não indica que ela está no inquérito policial, porque essa mídia faz referência a uma colaboração mais ampla”, diz o promotor. “As provas relacionadas à Cidade Administrativas estão nos autos e já foi autorizado que a defesa tivesse acesso. O Ministério Público não teve acesso a nenhuma prova que a defesa não tenha visto.”
Um especialista consultado pela reportagem, o criminalista e professor da PUC-SP Paulo Cunha Bueno, afirma que caso as mídias não sejam encontradas, uma saída é pedir que o delator reapresente esses arquivos à Justiça.
“Não adianta creditar a defesa pelo o que está acontecendo. Se certificaram errado ou se perderam a mídia, não é a defesa que está procrastinando nada”, afirma Bueno.
Aécio não precisa depor para que o Ministério Público apresente denúncia ou peça arquivamento do caso. No entanto, na visão de Bueno, a acusação fica enfraquecida.
A Santa Bárbara Engenharia e Marcelo Dias não foram localizados pela reportagem.
Aécio e 11 representantes de empreiteiras foram indiciados por supostos desvios e irregularidades na Cidade Administrativa. As práticas apontadas pela PF podem chegar a uma pena de 41 anos. Os nomes dos outros indiciados não foram divulgados.
A investigação começou em 2017 com base em relatos de ex-executivos da Odebrecht em delação premiada e apurou o processo de licitação, contratação e execução das obras do complexo, ocorridos entre 2007 e 2010, na gestão Aécio.
Segundo a PF, cláusulas restritivas no edital da obra mostram que o processo foi dirigido para que um determinado grupo de empreiteiras fosse escolhido. A fraude na licitação e os desvios, afirma o órgão, totalizaram R$ 232 milhões em valores da época (R$ 747 milhões atualizados).
A defesa de Aécio tem dito que a acusação é absurda. “A obra foi acompanhada por auditoria independente e seu edital apresentado ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) e ao Ministério Público que não apontaram qualquer irregularidade. Sequer os aditivos de preço autorizados por lei foram praticados à época”, disse em nota, à época.