As investigações da força-tarefa de Minas Gerais que busca sufocar o sistema financeiro de facções criminosas detectaram uma rede de crianças e idosos usada pelo PCC para escoar recursos para integrantes da organização que estão presos no sistema federal.
Na lista de pessoas que tiveram contas bancárias usadas por criminosos estão crianças com idades de 4 a 10 anos e pessoas acima dos 60 anos, entre elas uma mulher de 82 anos, presa pela Polícia Federal durante operação desencadeada no último dia 31 de agosto –foram detectadas ao menos 20 contas em nome de menores de 12 anos e maiores de 60.
“Percebemos durante as investigações da segunda fase da [operação] Caixa Forte que a facção tem se utilizado de menores e mulheres com filhos sob sua guarda para o processo de lavagem de dinheiro. Ao fazerem isso com menores, dificultam a identificação de quem estaria efetivamente movimentando a conta, pois é preciso chegar ao procurador responsável”, disse o delegado da Polícia Federal Alexsander Castro, coordenador da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado de Minas Gerais (Ficco).
Batizada de Caixa Forte 2, a operação empregou 1.100 policiais civis e federais e teve como alvo 422 pessoas, em 20 unidades da federação, que recebiam uma espécie de mesada paga pela cúpula do PCC a integrantes da facção que cumpria pena no sistema prisional.
PCC usava crianças e idosos para lavar dinheiro, diz polícia
Os pagamentos variavam de R$ 1.000 a R$ 4.000 mensais, conforme a importância do criminoso na hierarquia do grupo, e os recursos eram depositados nas contas dos prepostos –a maioria parentes do indivíduo em questão, sem ter ligação direta com o crime.
As crianças usadas pela quadrilha, por exemplo, eram filhos ou enteados dos criminosos. Como, por lei, crianças não podem ser responsabilizadas criminalmente, a força-tarefa pediu a prisão dos responsáveis legais desses menores –na maioria dos casos, as mães.
“As mulheres são usadas em razão do posicionamento do STF de que, nesses casos, as prisões preventivas devem ser convertidas em domiciliares. Utilizar-se de mulheres nessas condições faz com que o crime fique impune num primeiro momento”, disse o delegado.
Já as pessoas com mais de 60 anos foram presas, inclusive octogenários. Uma mulher de 89 anos era investigada, mas morreu meses antes de a operação ser desencadeada.
Segundo Murillo Ribeiro de Lima, da Polícia Civil de Minas e um dos coordenadores da força-tarefa, quando a idade é mais avançada do que isso costuma-se converter a prisão para domiciliar.
Fica, porém, um recado à facção: “Faz parte do papel social das instituições de persecução penal responsabilizar criminalmente, de forma rígida, essas pessoas, porque é até um recado para os faccionados para que evitem, então, usar interpostas essas pessoas para receber esses recursos”, diz.
Na conta da criança de quatro anos, a quebra de sigilo detectou movimentação de R$ 144.570,80 entre 2017 e 2019, média anual de R$ 48 mil. Já a senhora de 82 anos presa na operação de final de agosto, um total de R$ 205 mil foi depositado ao longo de quatro anos, média anual de R$ 51 mil.
O esquema era conhecido pela polícia e Ministério Público de São Paulo havia anos, mas não foi considerado um foco para combater o crime organizado por envolver, segundo o MP paulista, recursos para subsistências das famílias e não lavagem de dinheiro para enriquecimento de integrantes da quadrilha.
Conforme o jornal Folha de S.Paulo revelou, os repasses detectados pela força-tarefa mineira eram utilizados em sua maioria para aquisição de alimentos para a família dos presos, como padaria e açougue. Segundo a investigação da força-tarefa, porém, o dinheiro servia também para ajudar os integrantes da facção presos.
As pessoas detidas na operação e os próprios integrantes do PCC envolvidos, contudo, não pertencem aos escalões mais altos nem à Sintonia Final, como é chamada a cúpula da facção, formada pelos presos mais perigosos do grupo.
Por fim, há um acordo tácito entre policiais paulistas e criminosos da facção para uma preservação mútua das famílias. Policiais não fazem ação de represália às pessoas próximas aos integrantes do grupo, como mãe, esposa ou filhos, assim como eles não organizam nenhum crime contra os parentes desses policiais. A guerra, dizem, é entre eles.
Essa é uma das explicações para que as chamadas primeiras-damas do crime, como a mulher de Marco Camacho, o Marcola, mantenham um padrão de vida elevado.”
IDOSA PRESA
Desde o último dia 31 de agosto, Margarida Malaquias de Moraes não é mais a mesma. Como conta a família, a aposentada de quase 83 anos passa o dia chorando, na cama e não consegue esquecer do momento em que foi presa, dentro de casa, por integrantes da Polícia Federal. Margarida foi um dos alvos da Operação Caixa Forte 2, que visou suspeitos de envolvimento no esquema de irrigação financeira do PCC com mais de 60 anos.
“Nunca tinha acontecido uma coisa dessas comigo”, disse ela à Folha, antes de começar a chorar. “Eu estou tão aborrecida que nem sei se vou viver muitos dias.”
A aposentada conta que os recursos foram repassados para conta dela a pedido do bisneto, Igor Ruan Evangelista Celestino, o qual criou como filho, mas entrou para o crime.
“Ele não dizia para que era esse dinheiro, não. Falou que era para ajudar na casa, aqui, mas não falou que era assim [do PCC]”, afirmou ela à Folha.
Margarida diz que os policiais federais chegaram pela manhã, pouco depois das 6h, e deram a ordem de prisão. “Meu neto abriu a porta, e eles foram entrando. Eu estava até deitada ainda. Vieram na porta do meu quarto e reviraram tudo a minha casa, só pedia a Deus me ajudar.”
A aposentada não foi algemada nem colocada no compartimento de presos, mas foi levada para delegacia da PF de Três Lagoas (MS), onde mora, e só saiu de lá à noite, quando um advogado contratado pela família conseguiu converter a prisão para domiciliar, em razão da idade e estado de saúde.
“Eu não sei o que aconteceu, porque tinha caído um dinheiro de PCC pra mim, e eles queriam me prender, mas por causa dos meus problemas, não me prenderam, me soltaram. Mas eu tenho que ficar uns seis meses que não posso nem sair”, disse ela, falando sobre a prisão domiciliar decretada.
Margarida conta ainda que sua preocupação maior agora é conseguir desbloquear sua conta bancária, pela qual recebe a aposentadoria de R$ 1.000. “Estou devendo, como vou fazer? Eu tenho remédio para comprar.”
Segundo a filha, Maria Aparecida de Moraes Souza, 65, a mãe tem doenças como diabetes, enfisema pulmonar e faz tratamento de câncer de mama. “Tantos bandidos por aí perigosos, né? Na própria política, que envolve tanta gente com corrupção e fica por isso mesmo. Agora, vem prender uma senhora leiga, de 82 anos, cardiopata, enfisema pulmonar, diabética? Minha mãe é forte, se fosse outra pessoa teria morrido de desgosto.”
Segundo Souza, os policiais comprovaram que nenhum dinheiro repassado pelo rapaz preso foi usado pela mãe. “Ela não tem nada, nada, nada. A única coisa que ela tem é esta casa, não tem nem móveis.”