Um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) obtido pela reportagem levanta suspeita em um repasse do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, sem licitação, com uma empresa alvo de operação há dois meses do Ministério Público do Distrito Federal.
A transação citada no relatório da Secretaria de Controle Externo do TCU refere-se a R$ 4 milhões para bancar uma campanha publicitária de enfrentamento à violência doméstica durante o período de isolamento social.
A verba foi destinada à agência Fields, por meio de um TED (termo de execução descentralizada) no contrato de R$ 90 milhões firmado com outro ministério –o da Cidadania, que é chefiado por Onyx Lorenzoni.
O relatório afirma que “o fato pode indicar a dispensa indevida de processo licitatório, com prejuízo à obtenção da proposta mais vantajosa à administração [pública]”
O relatório afirma que “o fato pode indicar a dispensa indevida de processo licitatório, com prejuízo à obtenção da proposta mais vantajosa à administração [pública]”.
A Fields é citada na investigação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público por suspeita de ter sido utilizada para a lavagem de dinheiro na compra de leitos hospitalares durante o governo de Agnelo Queiroz, no Distrito Federal, de 2011 a 2014.
A proprietária da agência, Adriana Zanini, foi pega durante uma operação do grupo no dia 23 de julho, com uma mala com R$ 250 mil em cédulas de reais e de dólares em sua casa.
A empresária é investigada por suspeita de ter atuado em crimes de lavagem de dinheiro quando figurava no Conselho Administrativo do Instituto Brasília para o Bem-Estar do Servidor (Ibeps).
Além de Zanini, estão sendo investigados o ex-governador Agnelo Queiroz e o ex-secretário de Saúde Rafael Barbosa, entre outros.
A empresa firmou um contrato com o Ministério da Cidadania em 2017, que é prorrogado desde então. Por causa de aditivos, o valor do serviço subiu de R$ 30 milhões para R$ 90 milhões.
Com base em um desses ajustes, foi emitida uma ordem de execução da campanha de Damares Alves. Cerca de R$ 2,5 milhões já foram liquidados.
A sugestão da área técnica, que ainda será votada pelo TCU, é pedir às duas pastas esclarecimentos sobre a operação, inclusive a justificativa para a inclusão dos gastos em contrato firmado anteriormente à liberação do dinheiro vinculado ao período do coronavírus.
Em situações de urgência e necessidade, o TCU tem o entendimento de que é possível realizar despesas sem licitação. Mas ainda mantém alguns critérios, como a exposição dos motivos da escolha do fornecedor e a justificativa do preço contratado.
Por isso, técnicos do órgão de controle querem fazer uma vistoria no contrato do Ministério da Cidadania com a Fields, na transação entre Damares e Onyx, além de cópias dos documentos que fundamentaram a seleção da empresa para a realização da campanha, bem como da documentação relativa à dispensa de licitação.
O pedido foi feito dentro do processo que acompanha a execução das ações relacionadas ao enfrentamento da pandemia, no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, “buscando identificar riscos e contribuir para a melhoria do ambiente de controle e para o alcance de resultados”.
Diante da calamidade pública provocada pela Covid-19, o governo federal e o Congresso flexibilizaram algumas regras orçamentárias. Assim, foi possível irrigar o caixa de alguns ministérios para ações ligadas a efeitos da pandemia e as medidas de isolamento social.
Na pandemia, cresceu a violência contra a mulher. Os primeiros alertas foram feitos há seis meses. Em abril, as denúncias subiram 38% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com o Ligue 180.
Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo na semana passada mostrou que, apesar disso, a pasta usou até este setembro metade da verba deste ano para proteção da mulher e igualdade de direitos. A pasta de Damares ainda terá, em 2021, um corte de 25% dos recursos na área.
Com Orçamento mais livre, o governo colocou mais dinheiro nas mãos de Damares, R$ 45 milhões numa operação de 2 de abril. O recurso é para enfrentar a situação de emergência e foi usado para reforçar programas que já estavam em andamento e para novas ações, inclusive a publicitária.
A campanha foi lançada por Damares em 15 de maio, com o objetivo de conscientizar a população a denunciar abusos e violência doméstica. Incluiu a impressão de cartazes direcionados ao público-alvo da campanha, com a frase “Estou em casa 24 horas com quem me agride”.
O material foi preparado para ser veiculado na internet, no rádio, na televisão e nos condomínios, em carros de som e rádios comunitárias.
Procurada, a pasta disse que, atualmente, não possui contrato com agências de publicidade e, por isso, usou o Ministério da Cidadania como intermediário, que foi o responsável por selecionar a agência.
O ministério comandado por Onyx afirmou que a Fields passou por licitação em 2017 e que foi escolhida para a campanha de Damares porque as outras duas agências com quem a pasta tem contrato estavam com outras atribuições.
Segundo a pasta da Cidadania, “até o presente momento foi mantida a vantajosidade econômica do contrato [com a Fields, desde 2017] e não houve nenhum registro que desabone a prestação do serviço pela empresa”.
A Fields foi questionada quais foram os serviços prestados ao órgão, como foi o processo de contratação e o que teria a dizer sobre a suspeita do TCU.
Em resposta, a empresa afirmou que “o Ministério da Cidadania já prestou todos os esclarecimentos à Folha de S. Paulo”. “Nada temos a acrescentar”, disse.
Sobre a Operação do Gaeco, a Fields disse que, na época do ocorrido, em julho deste ano, “o advogado encarregado do caso esclareceu que os valores apreendidos têm origem lícita e que quaisquer manifestações serão feitas nos autos”.
Após a publicação da reportagem, o advogado André Gerheim, que defende a Fields, enviou uma nota na qual critica o MP pela investigação contra a Fields e Zanini.
“Cumpre destacar que a Fields jamais firmou qualquer contrato com o governo do Distrito Federal, sendo que o nome da sra. Adriana foi inserido de forma absolutamente leviana pelo MPDFT, que, mesmo sem realizar qualquer procedimento investigatório, concluiu que esta fazia parte da diretoria do Ibesp”, afirmou.
Gerheim disse ainda que a Fields “jamais teve qualquer contrato com o Ibesp, sendo que, até o dia da mencionada operação, nem sequer sabia da existência desse instituto”.