No comando do Conselho da Amazônia, Hamilton Mourão pretendia solicitar ao presidente Jair Bolsonaro que o escalasse para liderar a representação brasileira na COP-26, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) que será promovida em novembro, no Reino Unido.
A intenção do general de fazer o pedido, porém, foi informada previamente ao presidente por integrantes do governo. Irritado com o militar da reserva, o mandatário se antecipou.
“E deixar bem claro: quem vai representar o Brasil lá é você”, anunciou o presidente ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em live semanal promovida no início deste mês.
O veto do presidente ao general é o episódio mais recente em uma escalada de desgaste na relação entre Bolsonaro (sem partido) e Mourão (PRTB).
O presidente sempre fez questão de salientar, em conversas reservadas, que nunca confiou totalmente no general, mas agora, de acordo com assessores palacianos, ele passou a considerar o militar da reserva uma espécie de adversário.
A relação conturbada, que se agravou nos últimos meses, é comparada por deputados governistas à fase final do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando ela passou a ignorar e a desconfiar de seu vice-presidente Michel Temer (MDB).
Como reação, Temer enviou, na época, carta a Dilma na qual a acusou de mentir e de transformá-lo em um “vice decorativo”.
Como mostrou a Folha de S. Paulo em outubro, Bolsonaro não pretende disputar a reeleição ao cargo com o general como candidato a vice-presidente
Em postura similar à da petista, Bolsonaro tem evitado consultar Mourão sobre questões estratégicas, desautorizado de forma indireta declarações públicas do general e criticado em reservado a disposição do vice-presidente em responder a perguntas da imprensa sobre assuntos diversos, muitos sem relação com as suas atribuições no governo.
No gabinete do presidente, o militar da reserva ganhou o apelido de Walter Casagrande, uma referência ao ex-jogador de futebol conhecido por fazer comentários sobre diferentes temas. Segundo assessores do governo, Bolsonaro avalia que, ao fazer declarações quase que diárias, muitas delas em contraponto às dele, Mourão tenta se apresentar como uma alternativa de poder.
Em conversas com militares próximos, que foram relatadas ao jornal Folha de S. Paulo, Mourão tem refutado, no entanto, a intenção. Ciente da piora na relação com Bolsonaro, o general sinalizou recentemente a intenção de submergir neste fim de ano. E de, no começo do próximo ano, iniciar movimento de reaproximação com o presidente, inclusive por meio de uma conversa presencial.
Para integrantes da cúpula militar, um gesto de pacificação seria estratégico para que o presidente repensasse a decisão de não escalar Mourão para representar o Brasil na COP-26.
Além disso, o aceno poderia ser uma oportunidade para que o general pedisse ao presidente mais participação da equipe ministerial na preservação da floresta amazônica.
Segundo assessores presidenciais, ao longo do ano o vice-presidente se deu conta de que reduzir o número de queimadas e as taxas de desmatamento é mais difícil do que ele imaginava.
Além disso, ele demonstra sinais de frustração com o pouco engajamento da equipe ministerial na discussão de políticas para o desenvolvimento das populações locais.
O anúncio sobre a COP-26 não foi o único episódio recente de tensão entre Bolsonaro e Mourão. Na terça-feira (8), em discurso no Palácio do Planalto, o presidente deu um recado indireto ao vice-presidente.
Segundo ele, ninguém fala com o presidente sobre a tecnologia do 5G “sem antes conversar com o ministro Fábio Faria”, do Ministério das Comunicações.
No dia anterior, em palestra na Associação Comercial de São Paulo, o vice-presidente havia afirmado que o Brasil pagará mais caro caso a empresa chinesa Huawei não forneça equipamentos na transição para a nova tecnologia, posição compartilhada pelas operadoras de telefonia, mas refutada pelo núcleo ideológico do Palácio do Planalto.
No mês passado, o presidente também se irritou com o militar da reserva após ele ter reconhecido, em conversa com a imprensa, a vitória do democrata Joe Biden nas eleições americanas. Aliado do republicano Donald Trump, derrotado na disputa eleitoral, Bolsonaro ainda não parabenizou o vencedor.
Como mostrou a Folha de S. Paulo em outubro, Bolsonaro não pretende disputar a reeleição ao cargo com o general como candidato a vice-presidente. A intenção já foi inclusive, de acordo com assessores palacianos, informada ao militar da reserva por interlocutores do presidente.
Uma hipótese avaliada por Mourão é concorrer ao cargo de senador pelo Rio Grande do Sul.
Para militares do governo, uma candidatura dele no estado do Sul poderia até mesmo, se bem articulada, ter o apoio de Bolsonaro, que contaria com um palanque forte em um importante colégio eleitoral.
A insegurança de Bolsonaro em relação a Mourão não é uma exceção na postura do presidente com sua equipe de governo. O mandatário ganhou a fama no Palácio do Planalto de ser um presidente ressabiado e centralizador, com dificuldades de confiar em sua equipe de ministros.
A desconfiança permanente remonta ao tempo do serviço militar. Segundo velhos aliados, Bolsonaro tinha como hábito olhar embaixo do carro para checar se alguém poderia ter instalado uma bomba na intenção de cometer um atentado.
No Palácio do Alvorada, com receio de ser grampeado pela sua própria equipe, ele evita ter conversas de caráter reservado na área externa da residência oficial. Para assuntos sigilosos, prefere o espaço privativo, onde instalou uma espécie de escritório vizinho ao dormitório presidencial.