Apesar de um pedido de preferência e da preocupação com a prescrição de processos, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) adiou, mais uma vez, a análise de um processo contra o procurador Deltan Dallagnol e outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba apresentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O adiamento ocorre um dia após o ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspender outros dois processos contra Deltan no conselho. A análise do caso do PowerPoint está prevista para a sessão da próxima terça-feira (25).
A defesa de Lula acusa Deltan e colegas de abuso de poder. Em 2016, a força-tarefa em Curitiba convocou entrevista coletiva para detalhar denúncia enviada à Justiça contra o petista e usou uma apresentação de PowerPoint para mostrá-lo como o chefe de um organização criminosa e no centro de várias ilícitos na Petrobras.
O processo foi apresentado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Inconformado, Lula recorreu ao conselho naquele mesmo ano. O caso já havia sido indicado para julgamento em outros ocasiões, mas foi retirado de pauta.
As punições mais brandas que poderiam ser aplicadas contra os procuradores neste caso, como censura e advertência, prescreveram. As alternativas de punição que restam são demissão e cassação da aposentadoria.
A sessão do conselho desta terça-feira começou pouco depois das 9h. No início, quando ainda se debatia como ordenar a extensa pauta de julgamento, o relator do caso que envolve Deltan e outros procuradores, o conselheiro Marcelo Weitzel, pediu preferência para o processo.
Citou inclusive que o gesto seria uma “homenagem” ao advogado Cristiano Zanin, que defende o ex-presidente Lula, acompanhando o evento por meio de videoconferência.
Outros conselheiros fizeram intervenções também neste início de sessão em que disseram estar preocupados com a prescrição de processos.
O caso da Lava Jato, porém, integrou o conjunto de casos de menor prioridade no dia. Como alguns integrantes do conselho avisaram que precisariam retornar a seus estados no início da noite, a sessão foi encerrada pouco depois das 18h sem chegar ao pedido de providências de Lula.
O CNMP é um órgão de controle externo do Ministério Público e de seus integrantes. Entre suas atribuições está a fiscalização disciplinar.
É composto por 14 conselheiros, entre integrantes do Ministério Público, juízes, advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico, um indicado pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado. Quem o preside é o procurador-geral da República.
O atual procurador-geral, Augusto Aras, não participou da sessão desta terça. Coube ao vice-procurador-geral, Humberto Jacques, a missão de presidir os trabalhos.
Na tarde desta terça, em evento do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Aras pediu que as autoridades prestigiem, reconheçam e fortaleçam os dois conselhos “como órgãos que só se submetem ao Supremo Tribunal Federal para organizar os seus serviços para não permitir que eventuais abusos de seus membros venham a ocorrer impunemente”.
“Para que nós saibamos que não há ninguém acima da Constituição. Todos, todos estão abaixo da Constituição, todos estão submetidos às leis do país”, acrescentou Aras, que protagoniza um embate com a Lava Jato.
Deltan já havia conseguido duas vitórias nesta segunda-feira (17).
O ministro Celso de Mello suspendeu a tramitação de dois procedimentos no CNMP, instaurados a partir de representações de dois senadores, até que seja julgado o mérito de recursos apresentados ao tribunal nos quais a defesa de Deltan apontou irregularidades quanto a prazos processuais e cerceamento de defesa.
Integrantes do conselho avaliam recorrer da decisão do ministro do Supremo.
Investigado na Lava Jato, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) acusou Deltan de quebra de decoro. O parlamentar alega que o procurador foi às redes sociais para atacá-lo e tentar interferir na eleição da presidência do Senado em 2019, o que configuraria ato político-partidário, vetado aos integrantes do Ministério Público.
O segundo procedimento contra o procurador do Paraná é fruto de representação da senadora Kátia Abreu (PP-TO) e tramita na forma de um pedido de providência.
Ela pede que Deltan seja transferido para outra unidade do MPF (Ministério Público Federal), deixando de atuar na Lava Jato, em razão, entre outros argumentos, do grande número de reclamações disciplinares a que responde no CNMP.
Horas antes da decisão de Celso de Mello, o ministro do STF Luiz Fux suspendeu os efeitos de sanção administrativa de advertência imposta a Deltan pelo conselho em novembro de 2019.
Na prática, o despacho de Fux torna mais distante o afastamento do procurador da chefia da Lava Jato, uma vez que o histórico do profissional pode ser considerado um agravante para o CNMP.
A decisão representa uma vitória para a operação e indica como a ascensão de Fux à presidência do STF, em setembro, pode dar uma sobrevida à Lava Jato, que tem sofrido derrotas tanto na PGR (Procuradoria-Geral da República) quanto no Supremo.
A proximidade de Fux com a operação já havia se tornado evidente no episódio da Vaza Jato revelado pelo site The Intercept Brasil.
Em uma das conversas de Deltan com o então juiz da operação, Sergio Moro, ambos deixaram claro que o magistrado do Supremo era uma das esperanças para as investigações na corte.
Logo após a abertura do processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff (PT), eles conversaram sobre o cenário interno no Supremo.
“[Fux] disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. (…) Os sinais foram ótimos. Falei da importância de nos protegermos como instituições. Em especial no novo governo”, relatou Deltan. Moro respondeu: “Excelente. In Fux we trust [em Fux nós confiamos]”.