Crianças de uma escola pública do Norte de Minas escreveram livros que retratam as experiências vividas por elas durante a pandemia do coronavírus. A iniciativa foi desenvolvida na Escola Estadual Dona Beti, em Taiobeiras, e os livros foram publicados pela Estante Mágica, maior plataforma de projetos pedagógicos do Brasil.
Em 2019, o mesmo projeto foi realizado na escola com outros alunos, mas com tema livre. Neste ano, a instituição propôs que os estudantes escrevessem o “Diário da Pandemia”. Ao todo, 118 crianças do 1º ao 5º ano produziram histórias, que foram escritas e ilustradas à mão e depois enviadas em arquivos digitais para serem transformadas em livros.
“Pensando na história de vida dessas crianças, imaginamos que seria importante falar da pandemia e foi uma oportunidade de saber como elas se sentiram nesse período de isolamento. Pedimos que escrevessem como se fosse um diário a partir do que vivenciaram. Foi uma forma também de desenvolver o gosto dos alunos pela leitura e escrita”, contou a vice-diretora Camila Pinheiro Freitas Ferraz.
Várias histórias despertaram a atenção dos educadores, como a da Mariana, de 10 anos, que escreveu sobre a perda do pai que foi vítima da Covid-19.
Ao todo, 118 crianças da Escola Estadual Dona Beti, em Taiobeiras, produziram histórias, que foram escritas e ilustradas à mão e depois transformadas em livros.
“Eu não sabia que ela tinha perdido o pai, soube através da história. Foi emocionante porque as crianças se expressaram e podemos conhecer a realidade delas. No futuro, daqui uns 10 anos, elas vão poder relembrar esse período na visão de criança”, fala a vice-diretora.
No trecho da história, a menina escreveu: “Esse vírus maldoso e feio tirou o meu pai de perto de mim. Ele já matou e vem matando muitas pessoas no mundo inteiro”.O pai de Mariana tinha 56 anos e morreu no dia 9 de maio. Em entrevista ao g1, a mãe relata que os dois eram muito apegados, mas ela não esperava que a filha fosse escrever sobre isso no livro.
“Ela fez tudo sozinha e me mostrou quando já estava pronto, fiquei surpresa e não imaginava que iria escrever essas coisas. A escola fez um trabalho muito bonito e estou feliz por ela ter participado. Até hoje, ela sofre muito com a perda do pai e às vezes chora porque ele era tudo para ela. Ela guardou uma roupa dele de lembrança e de vez em quando pega e fica olhando”, disse a manicure Eliene Teixeira Chaves.
Já a estudante Maria Júlia, também de 10 anos, escreveu sobre as dificuldades enfrentadas pela família durante a pandemia.
“A minha família vem enfrentando vários desafios nessa pandemia, pois esse vírus é muito perigoso e vem deixando muitas tristezas nas famílias do mundo inteiro”, diz um trecho do livro.
Os pais de Maria Júlia são do Norte de Minas, mas estavam morando em São Paulo e tiveram que retornar para a região porque perderam o emprego. A mãe trabalha como manicure e o pai é mecânico.
“Ficamos alguns meses sem trabalho e tivemos que nos reinventar, começamos a fazer bolinhas educativas de material reciclável para vender. Tivemos que apertar o orçamento, mas não passamos mais dificuldades porque tínhamos economias. Hoje, eu voltei a trabalhar como manicure atendendo em casa e ele conseguiu serviço como mecânico”, contou a mãe da menina, Juliana Barbosa Liberato Morais.
“Minha história vou terminar e um sonho tenho a revelar que todos sejam vacinados e fiquem livres do coronavírus e que possam se abraçar, se beijar e não usar mais máscaras”, foi com esse desejo que a pequena escritora Maria Júlia finalizou o livro.
Ela contou ao g1 que sente muita falta de abraçar os amigos e também de visitar a avó, que mora em Verdelândia (MG).
“É muito ruim não poder abraçar, tenho muitos coleguinhas na escola e não posso abraçá-los, chegar perto. É ruim ficar longe da minha avó por muito tempo. Sinto muita falta também de ir no parquinho perto de casa e poder ficar sem máscara sentindo o ar livre”.
Escrita dos livros
O projeto começou a ser desenvolvido com os alunos no mês de setembro após o retorno das aulas presenciais. Em sala de aula, os professores trabalharam gêneros literários, oficinas de contação de histórias e orientaram as crianças para a construção dos textos.
“Tivemos apoio da Fundação de Desenvolvimento Gerencial que nos auxiliou no desenvolvimento da metodologia para colocar em prática o plano de ação da escola durante o ano. Todos os projetos incluindo esse foram em parceira com a Fundação. Na hora de escrever as histórias, as crianças das séries iniciais contaram com auxílio das professoras”, disse a vice-diretora Camila Pinheiro Freitas Ferraz.
Cada criança escreveu e ilustrou a sua própria história e o material foi enviado em formato digital para o site da Estante Mágica, com auxílio dos professores, e se transformou em livros.
As publicações chegaram à escola nesta semana e uma “noite de autógrafos” está prevista para a próxima quarta-feira (15) com a presença dos familiares e da comunidade. O evento será na quadra da escola que fica na Praça José de Freitas Alves, no bairro Bom Jardim.