TOQUE DE LETRA
Por Antônio Célio
Vivi os primeiros dez anos de minha vida em Engenheiro Navarro (MG), numa época de um regime conturbado.
Na minha infância, no início dos anos 70, o jogo de bolinhas de gude, por exemplo, era tratado como uma contravenção. A gente temia que a polícia tomasse os objetos de brinquedo e ainda seguido de uma advertência.
As telenovelas, então, eram censuradas. Era um sonho na minha então idade assistir, por exemplo, “Cavalo-de-Aço”, o grande sucesso da Rede Globo.
Era um período em que os “leões” da ditadura usavam a “arena”, como nos antigos coliseus, para atacar o movimento da democracia brasileira. Muita gente foi violentada e morta por confrontar com sistema. Sou a favor da “Ordem e do Progresso”, mas sem derramamento de sangue.
A imprensa viveu a época da amordaça, só podia se publicar as coisas que agradavam ao governo. E mesmo com a repressão, muitos ousaram a contrariar este estilo anti-democrático, e, alguns, custaram até a própria vida.
O futebol e a música tiveram papel fundamental na transformação deste cenário.
Antes da Copa do Mundo de 1970, o então técnico da seleção brasileira, João Saldanha, que jamais negou sua oposição ao regime ditador, rechaçou ao então presidente Emílio Garrastazu Médici, que defendera a convocação de Darío, o “Peito de Aço”, do Atlético Mineiro, na lista dos convocados.
Disse Saldanha, “ele cuida do Ministério, que eu cuido da seleção.” Pouco tempo depois, João Saldanha entregou o cargo e assumiu Jorge Lobo Zagallo.
Artistas da música também se manifestaram contra o regime da época. Por causa do tom crítico, Geraldo Vandré sofreu represálias após a consagração da canção “Para não dizer que não falei das flores”.
Em Minas, já nos últimos anos do período militar, o genial atacante Reinaldo Lima, o “Rei do Galo”, um dos jogadores mais talentosos que vi jogar, também deixou o seu recado.
Durante a comemoração de um gol que fez contra a Suécia, na Copa da Argentina, de 1978, Reinaldo fez o gesto com o braço em punho para o alto, ato protagonizado pelas manifestações do povo nas ruas. Fato que se repetiu várias vezes também com a gloriosa camisa do Atlético.
Ele era um jogador hábil com as bolas nos pés e intelectual. Para muitos, Reinaldo se constituiu no maior jogador do Atlético.
Meu vizinho, o saudoso Zué Assis, atleticano fanático, me disse certa vez que adorava o futebol de Reinaldo, mas, para ele o maior atleta do Galo era Guará, centroavante que teve a carreira interrompida prematuramente por causa de um choque de cabeça com um zagueiro do Cruzeiro.
No meu modesto modo de pensar, Reinaldo somente não se transformou no maior jogador da época, porque sofreu muito com as contusões. Foi vítima de zagueiros violentos, como Moraes, do Cruzeiro, e Buzuca, da Caldense.
Outra participação marcante do futebol na vida política brasileira, se deu no início dos anos 80, quando os também extraordinários jogadores Sócrates, Zenon, Wladimir e Casagrande criaram a “democracia corinthiana.”
Foram vistos durante a campanha nacional das “Diretas Já”, que foi fundamental para que as eleições para presidente fossem pelo voto direto.
Política e futebol sempre caminharam juntos, e, bem praticados, ganham a nação e os torcedores.
Até a próxima!