Dos cerca de 45 internos da clínica de recuperação de dependentes químicos, fechada após denúncia de maus-tratos e cárcere privado, em Prudente de Morais, na Região Central de Minas Gerais, 30 já estão com as famílias.
De acordo com o secretário municipal de Assistência Social e Trabalho, José de Lima Natal, outros internos da Novo Caminho seguirão para suas cidades ainda na tarde desta terça-feira (20). Há pessoas de cidades como Vitória da Conquista (BA) e Nanuque, no Norte de Minas.
“Já fizemos contato com todos os familiares e estamos providenciando as passagens. Vamos colocar os internos dentro dos ônibus para que sejam recebidos por suas famílias”, contou o secretário.
Quatro internos terão que passar mais uma noite na clínica, com autorização da polícia e acompanhados pela secretaria, pois só havia passagens para esta quarta-feira (21). Um idoso de 75 anos, com a saúde debilitada, continuava internado na Unidade de Pronto-Atendimento nesta manhã.
De acordo com a Secretaria de Assistência Social e Trabalho de Prudente de Morais, 30 internos já estão com seus familiares.
Ao todo, oito pessoas foram conduzidas para a Delegacia de Polícia Civil de Matozinhos, na Grande BH, nesta segunda-feira (19), mas só seis foram presas em flagrante. Há suspeita de maus-tratos a pacientes e a animais, cárcere privado, lesão corporal, danos ambientais e abuso sexual.
“A gente traz esperando o melhor. Acabou que todo mundo se surpreendeu e tirou até mesmo o nosso chão. Agora a gente está sem saber o que fazer”, relatou a parente de uma das vítimas à TV Globo. O primo dela passou 15 dias na instituição.
De acordo com a delegada Priscila Pereira Saltos, responsável pelas investigações, dois suspeitos foram liberados porque não possuíam poder dentro da clínica.
“Entendi que eles não tinham poder de comando para liberar os pacientes, nem mesmo acesso às chaves para tirar as vítimas do cárcere privado. Hoje vamos continuar com as diligências, analisar documentos da clínica e apurar as questões de abuso sexual. Os pacientes indicaram o autor que teria cometido os abusos, mas ele não está entre os seis detidos”, disse a delegada.
Segundo a Polícia Civil, os internos têm entre 18 e 80 anos e eram mantidos em quartos com grades, com várias pessoas por “cela”.
Um rapaz internado há cinco meses para tentar se livrar do vício do crack disse que a vida, agora, tem um novo sentido:
“Estou indo para Belo Horizonte novamente, pretendo resgatar o meu trabalho, a minha sensação de liberdade, de felicidade. Quero fazer desta a última, né? Isso é um exemplo para eu não querer voltar ao uso de drogas”.
Um homem, identificado como Germano dos Santos, atendeu o telefone celular divulgado pela clínica e disse ao G1 que é um dos proprietários do local. Ele afirmou que está no Mato Grosso e que não pode se manifestar por não saber o que houve em Prudente de Morais.
“Tem muita gente que está lá e que nunca recebeu maus-tratos. Vamos ver até onde vai essa denúncia e quem denunciou. Eu tenho plena certeza de que não tem maus-tratos lá, nem contra gente, nem contra animais”, respondeu Germano.
Segundo a delegada, ele também será ouvido pela Polícia Civil.
Internação involuntária
A maior parte dos internos foi levada para lá involuntariamente, até mesmo com uso de força, segundo a investigadora de Polícia Civil Sheiva Duarte.
“Eles eram dopados. Há um ‘caçador’, uma pessoa que entra em contato com as famílias. Uma equipe ia até lá, pegava essas pessoas usando de violência e trazia para cá. Já foram vários relatos”, afirmou.
As famílias pagavam até R$ 1.800 mensais pela internação dos parentes, em contratos de seis meses. O valor podia, inclusive, ser parcelado.
“A sensação é que você está numa cadeia, né? Sendo que você está aqui para se tratar, não para ficar preso. Lugar de bandido é na cadeia. A gente está aqui para se recuperar das drogas, não para ficar psicologicamente machucado”, disse um dos internos.
A delegada reforçou que a condução de internos contra a vontade deles é uma prática ilegal. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou, em junho do ano passado, uma lei que autoriza a internação involuntária de dependentes químicos sem a necessidade de autorização judicial. No entanto, isso só vale para internações em unidades de saúde e hospitais gerais.
Irregularidades
A clínica não possuía alvará de funcionamento, nem licença do Ministério da Saúde para funcionar. O Corpo de Bombeiros esteve no local para tomar as providências em relação à segurança e constatou várias irregularidades que colocavam em risco a integridade e a saúde dos internos.
O espaço não possuía extintores, nem projeto de combate a incêndio, e a fiação elétrica ficava exposta, com risco de curto-circuito. Os responsáveis informaram à polícia que o local funcionava desde fevereiro de 2020, mas a suspeita da corporação é que antes disso já havia internos por lá.
A equipe da TV Globo registrou paredes mofadas, fiação exposta, quatro pessoas em um mesmo quarto fechado, todos sem máscara, incluindo um idoso de 74 anos. Os banheiros estavam sujos e a água do chuveiro era gelada.
“O período da gente é muito curto do lado de fora”, contou uma das vítimas.