Nos últimos anos foi comum ver o advogado Cristiano Zanin vir a público protestar contra ações policiais que miravam seus clientes, sobretudo quando o alvo era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desta vez, porém, Zanin manifesta-se em causa própria.
Nesta quarta-feira (9), uma ação de busca e apreensão teve o objetivo de vasculhar a casa e o escritório do advogado. É o próprio Cristiano Zanin acusado de chefiar um esquema de desvio de dinheiro por meio da Fecomércio-RJ (Federação do Comércio do Rio de Janeiro), que envolvia, segundo investigadores, tráfico de influência no TCU (Tribunal de Contas da União) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Assim como aconteceu nos casos da Lava Jato envolvendo Lula, Zanin acusa o juiz do caso, Marcelo Bretas, de não ser imparcial e diz que a Lava Jato quer intimidá-lo, para atrapalhá-lo na defesa do ex-presidente.
Cristiano Zanin virou alvo de operação no Rio de Janeiro
“Esse é o objetivo da Lava Jato. Me tirar ou tirar o meu tempo da defesa do presidente Lula e nos outros casos em que eu atuo. Só que isso não vai acontecer.”
A Procuradoria afirma na operação, batizada de E$quema S, que o escritório de Zanin, uma sociedade com Roberto Teixeira, compadre de Lula, recebeu da federação comercial R$ 67,8 milhões de 2013 a 2016. A investigação partiu da delação de Orlando Diniz, ex-presidente da federação, preso em 2018.Pergunta – Qual era a relação do sr. com Orlando Diniz [ex-presidente da Fecomércio-RJ e hoje delator]?
Cristiano Zanin – O nosso escritório foi contratado pela Federação do Comércio do Rio de Janeiro em 2012 e passou a prestar serviços ao longo de anos em litígio que a federação, que é uma entidade privada, tinha com a Confederação Nacional do Comércio, outra entidade privada.
Cumprimos o contrato, prestamos todos os serviços e temos isso amplamente documentado. Só no nosso sistema de controle do escritório, estão registradas 1.400 petições relativas ao caso, 12.400 horas [de trabalho] divididas entre 77 diferentes colaboradores do nosso escritório.
O sr. diz que a federação é uma entidade privada. Mas a denúncia diz que o sr. teve participação em um termo de cooperação que direcionou recursos do Sesc e do Senac do Rio, entidades que recebem verba pública, para a Fecomércio. Como o sr. vê essa afirmação?
CZ – É um grande absurdo. O que se está a fazer é tentar criminalizar a advocacia. Os advogados não faziam nem devem fazer a gestão dessa entidade. A gestão é feita pelas pessoas que foram eleitas pelos seus pares.
Tudo que fizemos na condição de advogados está devidamente documentado. Não posso, por uma questão de sigilo profissional, dizer os serviços que prestamos à federação.
A denúncia diz que havia um grande esquema de tráfico de influência no STJ e no TCU. Como o sr. vê a acusação de que a contratação seria uma tentativa de tráfico de influência?
CZ – Tráfico de influência em relação a quem? Qual ministro? É uma ilação, qual é a prova disso? O litígio entre a federação e confederação do comércio envolvia duas grandes entidades privadas que tinham, lado a lado, o seu corpo de advogados. O ex-ministro José Eduardo Cardozo, por exemplo, era advogado da confederação.
Outro ponto dito pelo delator é que, à medida que pagava os serviços, os problemas aumentavam. Há um momento em que ele acha que o sr. começou a dar dificuldade para vender facilidade. Como o sr. vê essa acusação vinda de um ex-cliente?
CZ – O que fizeram foi invadir o meu escritório e a minha casa sem ter perguntado antes se havia a prestação do serviço. O que estão tentando fazer é uma ilação sobre a contratação de uma entidade privada em relação a um escritório de advocacia. É absurdo, não é papel sequer do Ministério Público. Seria como se o Ministério Público fosse na Folha de S.Paulo discutir a contratação de A ou de B pela Folha de S.Paulo.
Mas na medida em que essa entidade privada recebeu dezenas de milhões de reais em recursos de outras entidades que recebem verba pública, isso não pode ser considerado peculato [desvio]?
CZ – Uma entidade privada contratar advogados seria peculato? A Federação do Comércio é gestora, por força de lei, do Sesc e do Senac do Rio de Janeiro e é remunerada para isso. A nossa relação contratual foi com a federação, uma entidade privada. Pode contratar quem ela quiser e isso é atribuição de seus dirigentes, eleitos pelos seus pares. Para se ter ideia, ela congrega 323 mil estabelecimentos do Rio de Janeiro. É uma grande entidade, que tem a necessidade de contratar seus advogados, sobretudo quando estava em litígio de grande envergadura.
Esse litígio, como envolvia a pessoa do Orlando Diniz, não poderia ser considerado particular dele? Era ele tentando se manter no cargo.
CZ – Não. O litígio fundamental era sobre a gestão do Sesc Rio de Janeiro e do Senac Rio de Janeiro. São entidades que, por força de lei, têm que ser geridas pela Federação do Comércio do Rio. No entanto a entidade nacional, por estar sediada no Rio de Janeiro, queria fazer essa gestão.
Um dos argumentos da Procuradoria é o de que o seu escritório recebeu R$ 68 milhões da Fecomércio-RJ, um valor muito discrepante, segundo a acusação.
CZ – Qual a base?
Dizem que o seu segundo maior cliente recebe 15 vezes menos.
CZ – É um conjunto de violações de prerrogativas dos advogados, do nosso escritório. Fizeram a ação em cima de uma entidade cliente e foram verificar outros clientes do nosso escritório. Violaram o sigilo da nossa profissão, a inviolabilidade do escritório e do material de trabalho do advogado. Isso é crime: desde 2019 está tipificado em lei. Não posso e não vou tratar de qualquer assunto do nosso escritório. Porque essa relação entre advogado e cliente é protegida por sigilo por força de lei.
O que posso dizer, e poderia ter dito para a Lava Jato, se não tivessem invadido o nosso escritório e a minha casa antes de fazer a pergunta, é: nós contratamos com uma entidade privada e prestamos todos os serviços descritos no contrato.
O momento em que essa operação ocorreu mostra bem a sua finalidade, de intimidar advogados que atuam na Operação Lava Jato. De outro lado, tenta ofuscar as vitórias que obtivemos recentemente, que reconheceram as ilegalidades e a atuação com caráter político da Lava Jato.
Tivemos julgamentos importantíssimos recentemente, no Supremo Tribunal Federal e em outros órgãos judiciários. Na maior parte deles, nós ganhamos. Fizeram essa operação para ofuscar as vitórias que nós estamos tendo no caso do presidente Lula. Tenta esconder o que está sendo reconhecido pelos tribunais.
Mas essas vitórias se referem à Lava Jato no Paraná. Nesse caso, é a Lava Jato do Rio, que funciona de maneira autônoma e na qual o ex-presidente não é envolvido.
CZ – Veja, está tudo interligado. Não há essa independência que você está dizendo. Basta ver a Vaza Jato, que a Folha de S.Paulo cobriu. Todos eles ali têm comunicações paralelas e agem com uma sintonia de atuação entre essas forças-tarefas.
Estamos às vésperas de um julgamento que pode reconhecer a suspeição do ex-juiz Sergio Moro e que pode restabelecer os direitos do ex-presidente Lula.
Orlando Diniz fala que o que motivou a contratação de seu escritório foi encontrar uma “solução política” para a tentativa dele de não ser retirado do cargo que ocupava. Emails também falam em questão política. Isso pode ser entendido como lobby?
CZ – Nossa atuação foi estritamente no campo técnico-jurídico. Temos farta documentação da atuação da primeira à última instância em favor dessa entidade. Então, é uma grande mentira.
Eu, particularmente, já denunciei como funciona esse esquema de delação na Lava Jato. Só em razão do meu trabalho já foi reconhecido o caráter mendaz de duas delações: a do [ex-]senador Delcídio do Amaral, em que o ex-presidente foi absolvido definitivamente, e a delação de Antonio Palocci.
A denúncia afirma que houve um pagamento em espécie [de R$ 1 milhão] por um doleiro, Alvaro Novis, para o seu sócio e sogro, Roberto Teixeira. Como o sr. viu?
CZ – É mais uma mentira nesse conjunto de mentiras que é a denúncia. O que reafirmo é que fizemos um contrato com uma entidade privada e que executamos os serviços.
É isso que eu posso dizer. Posso mostrar isso para a Lava Jato, mesmo entendendo que se trata de relação regida legalmente pelo sigilo profissional.
O sr. coloca em dúvida a imparcialidade do juiz Marcelo Bretas da mesma forma que colocou a do ex-juiz Moro?
CZ – Ele é notoriamente alguém que apoia o presidente Jair Bolsonaro. Inclusive participou de atos públicos, até de inauguração de obras com o presidente.
E estou dizendo também que estamos num momento da defesa do ex-presidente Lula em que ele pode recuperar todos os seus direitos, inclusive os políticos. Será que essa situação interessa à Lava Jato e às pessoas que ela apoia?
Essa não é a repetição da estratégia adotada contra o ex-juiz Moro, de questionar a credibilidade das autoridades à frente das operações?
CZ – Tudo que nós questionamos sobre a imparcialidade do juiz Sergio Moro desde 2016 foi comprovado, inclusive pela ida dele ao governo Bolsonaro. Não só por isso, mas por fatos que ocorreram depois. A Folha de S.Paulo, junto do portal Intercept e outros veículos, publicou reportagens mostrando que a atuação do ex-juiz Moro não era imparcial.
Então, a suspeição do juiz Sergio Moro não é uma estratégia. É uma realidade.
Qual sua estratégia para os processos no Rio? Vai tentar paralisar o processo alegando que há autoridades com foro, por exemplo?
CZ – O meu norte de atuação será mostrar, primeiro, que é crime violar prerrogativas de advogados. Agora, esse processo não vai, em momento algum, desviar o foco da minha atuação profissional na defesa do ex-presidente Lula e em todos os casos e processos em que eu atuo. Esse é o objetivo da Lava Jato. Me tirar ou tirar o meu tempo da defesa do presidente Lula e nos outros casos em que eu atuo. Só que isso não vai acontecer.
O sr. acha que esse caso pode ter influência no julgamento da suspeição do ex-juiz Moro?
CZ – Fatos públicos e notórios podem ser levados em consideração pelo juiz no momento em que ele emite seu voto. Agora, temos muita tranquilidade porque mostramos ao longo de anos diversos fatos que configuram a suspeição.
Então, o que o sr. diz é que a ação contra o senhor tem como pano de fundo atingir o presidente Lula?
CZ – É uma forma da Lava Jato de tentar me intimidar e de me distrair na condução da defesa do presidente Lula. Não tenho a menor dúvida.
O que justifica uma operação em relação a um advogado, a um escritório que fez uma contratação com uma entidade privada, prestou os serviços e estabeleceu uma relação absolutamente lícita? O que pode levar a uma operação como a realizada ontem [quarta-feira]?
Só o interesse da Lava Jato em atacar a minha reputação e tentar me intimidar. Mas isso não vai acontecer. Aliás, não é a primeira vez que a Lava Jato ataca as minhas prerrogativas profissionais. É, no mínimo, a terceira vez.
O que o sr. espera do julgamento da suspeição do Moro?
CZ – Espero que, primeiro, seja realizado num futuro próximo. Pedimos que ele seja julgado em breve.
Segundo, acreditamos na força jurídica dos argumentos que apresentamos para demonstrar sem qualquer dúvida a suspeição do juiz Sergio Moro. Uma vez reconhecida, entendemos que os três processos conduzidos pelo Moro devem ser anulados, reestabelecidos ao seu início e o ex-presidente Lula deve recuperar todos os seus direitos.
Como o senhor vê a possibilidade de o ex-presidente Lula voltar à prisão, como por exemplo pelo esgotamento do caso do tríplex?
CZ – Acreditamos que esse e os outros processos, em Curitiba, serão anulados por força da suspeição.
Agora, jamais desconsideramos que a atuação da Lava Jato é uma atuação ilegal e com viés político. Aliás, isso já foi reconhecido recentemente pelo Supremo. Então, essas situações dependem muito de como se dará o desfecho desse habeas corpus e da nossa capacidade de demonstrar e reverter as arbitrariedades que estão sendo praticadas.
A licença do ministro Celso de Mello tem favorecido as defesas em julgamentos da Lava Jato no STF. A defesa pretende explorar essa circunstância? A suspeição de Moro pode ser decidida dessa forma, sem um dos ministros?
CZ – Em nenhum dos julgamentos ocorridos que nós vencemos no Supremo recentemente foi por empate [empate favorece o réu]. Todos eles foram por maioria de votos.
Segundo, não temos condições de escolher o momento do julgamento. Nós estamos pedindo, por exemplo, que esse habeas corpus da suspensão seja julgado o mais breve possível há tempos. Então caberá ao ministro vistor, que no caso é o ministro Gilmar Mendes, definir o momento em que será recolocado em julgamento.
Como o senhor viu a prorrogação da Lava Jato?
CZ – Sou absolutamente contra esse modelo de força-tarefa. Porque me parece um grupo de agentes públicos que se une com um objetivo pré-definido, pré-determinado.RAIO-X
Cristiano Zanin Martins, 44
Natural de Piracicaba (SP), é graduado pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). É autor do livro “Lawfare, Uma Introdução”, em parceria com Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael Valim. Comanda a defesa do ex-presidente ao longo da Operação Lava Jato, que foi deflagrada em 2014.